Estrabismo e Tratamentos para Ambliopia em Adultos: Avanços e Perspectivas
- Alexandre Netto
- 14 de mai.
- 6 min de leitura

Por décadas, a comunidade oftalmológica sustentou que a ambliopia (conhecida popularmente como "olho preguiçoso") só poderia ser tratada efetivamente durante a infância, período crítico do desenvolvimento visual.
Entretanto, pesquisas recentes têm desafiado esse paradigma, demonstrando que o cérebro adulto mantém níveis significativos de neuroplasticidade que podem ser explorados terapeuticamente.
Este artigo revisa os avanços no entendimento da fisiopatologia do estrabismo e da ambliopia em adultos, apresentando as modalidades terapêuticas contemporâneas e emergentes, destacando sua eficácia e limitações no tratamento de pacientes adultos.
A ambliopia afeta aproximadamente 3% da população mundial e é caracterizada pela redução da acuidade visual em um ou ambos os olhos, sem alterações estruturais que justifiquem completamente essa diminuição.
O estrabismo (desalinhamento ocular) representa uma das principais causas de ambliopia, juntamente com anisometropia (diferença significativa de refração entre os olhos) e privação visual (como catarata congênita).
Historicamente, acreditava-se que o tratamento da ambliopia deveria ocorrer antes dos 7-9 anos de idade, período considerado crítico para o desenvolvimento visual.
Após essa idade, o sistema visual era considerado "consolidado", com mínimas possibilidades de melhora. No entanto, estudos neurocientíficos das últimas duas décadas revolucionaram esse entendimento, revelando que o cérebro adulto mantém considerável potencial plástico, abrindo novas possibilidades terapêuticas.
Fisiopatologia do Estrabismo e da Ambliopia
O estrabismo causa um desalinhamento dos eixos visuais, resultando em imagens diferentes sendo projetadas em áreas correspondentes das retinas. Para evitar a diplopia (visão dupla) resultante, o cérebro desenvolve mecanismos adaptativos, incluindo:
1. Supressão cortical: O cérebro ativamente ignora a imagem proveniente do olho desviado
2. Correspondência retiniana anômala: Adaptação neural onde pontos não correspondentes das retinas são processados como correspondentes
3. Desenvolvimento de ambliopia: Redução progressiva da acuidade visual no olho desviado
Na ambliopia, ocorrem alterações estruturais e funcionais no córtex visual primário (V1) e em áreas visuais superiores. Estudos com ressonância magnética funcional (fMRI) demonstram:
- Redução na ativação cortical em resposta a estímulos apresentados ao olho amblíope
- Alterações na organização das colunas de dominância ocular
- Desequilíbrio nos mecanismos excitatórios e inibitórios intracorticais
- Desregulação de neurotransmissores, particularmente do sistema GABAérgico
Neuroplasticidade Visual no Adulto
Contrariando o entendimento tradicional, pesquisas modernas demonstram que o córtex visual adulto mantém significativa capacidade de reorganização. Esta neuroplasticidade pode ser potencializada por:
1. Modulação farmacológica: Agentes que alteram o equilíbrio de neurotransmissores
2. Estimulação não-invasiva do cérebro: Como estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS) e estimulação magnética transcraniana (TMS)
3. Treinamento perceptual: Exercícios específicos que desafiam o sistema visual
4. Manipulação das entradas visuais: Como oclusão intermitente e terapia binocular
Estudos em modelos animais adultos mostram que a inibição do receptor GABA e a estimulação da via do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) podem reativar a plasticidade cortical semelhante à observada durante o período crítico do desenvolvimento.
Abordagens Terapêuticas Contemporâneas
1. Correção Refrativa Otimizada
A correção óptica precisa constitui o primeiro passo no tratamento da ambliopia em adultos. Estudos demonstram que mesmo em pacientes adultos, a simples correção da ametropia pode resultar em melhoras significativas da acuidade visual em casos de ambliopia anisometrópica.
2. Terapia de Oclusão Modificada
Embora a oclusão tradicional (uso de tampão no olho dominante) tenha eficácia limitada em adultos, protocolos modificados têm mostrado resultados promissores:
- Oclusão parcial: Usando filtros de densidade neutra ou lentes difusoras que reduzem, mas não eliminam completamente, a visão do olho dominante
- Oclusão intermitente: Períodos curtos e frequentes de oclusão
- Oclusão combinada com tarefas visuais desafiadoras: Potencializando a neuroplasticidade durante períodos específicos
3. Terapia Visual Binocular
Abordagens binoculares visam reestabelecer a visão simultânea e fusão, em vez de apenas melhorar a acuidade monocular:
- Terapia de supressão anti-ambliópica: Utiliza estímulos dicópticos com contraste reduzido para o olho dominante
- Jogos de percepção de profundidade: Treinamento usando óculos anaglíficos (vermelho-verde) ou polarizados
- Realidade virtual terapêutica: Ambientes imersivos que promovem o uso coordenado de ambos os olhos
4. Estimulação Cerebral Não-Invasiva
Técnicas de neuromodulação têm demonstrado potencial para amplificar os efeitos do treinamento visual:
- tDCS (Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua): Aplicação de corrente elétrica de baixa intensidade sobre o córtex visual
- TMS (Estimulação Magnética Transcraniana): Pulsos magnéticos que alteram temporariamente a excitabilidade neuronal
- tRNS (Estimulação Transcraniana por Ruído Aleatório): Forma de estimulação elétrica que pode potencializar o aprendizado perceptual
5. Abordagens Farmacológicas
Medicamentos que potencializam a neuroplasticidade estão sendo investigados:
- Levodopa: Precursor da dopamina que pode aumentar temporariamente a plasticidade visual
- Donepezil: Inibidor da acetilcolinesterase que pode melhorar a função visual em alguns casos
- Antagonistas GABA: Reduzem a inibição cortical, facilitando a plasticidade (ainda experimentais)
6. Intervenção Cirúrgica
Para casos de estrabismo em adultos, a cirurgia dos músculos extraoculares continua sendo uma opção importante:
- Objetivos funcionais: Alinhamento ocular, eliminação de diplopia, expansão do campo visual binocular
- Objetivos estéticos: Melhora da aparência, com impacto psicossocial positivo
- Tratamento combinado: Cirurgia seguida de terapia visual para maximizar resultados funcionais
Resultados Clínicos e Fatores Prognósticos
Estudos clínicos recentes demonstram que adultos com ambliopia podem apresentar melhoras clinicamente significativas com tratamento adequado. Os fatores associados a melhores prognósticos incluem:
- Ambliopia de origem anisometrópica versus estrábica
- Severidade inicial moderada versus severa
- Ausência de fixação excêntrica estabelecida
- Melhor estereopsia residual pré-tratamento
- Maior adesão aos protocolos terapêuticos
- Abordagem multimodal versus monoterapia
Um estudo multicêntrico publicado em 2023 com 157 adultos com ambliopia moderada (20/40 a 20/100) demonstrou melhora média de 2,4 linhas de visão após seis meses de terapia combinada (correção óptica, oclusão modificada e treinamento perceptual).
Desafios e Considerações Especiais
O tratamento da ambliopia em adultos apresenta desafios únicos:
1. Expectativas realistas: A melhora geralmente é mais gradual e menos expressiva que em crianças
2. Adesão ao tratamento: Adultos têm demandas concorrentes que podem comprometer a consistência terapêutica
3. Medidas objetivas de progresso: Necessidade de avaliações além da acuidade visual, como sensibilidade ao contraste e estereopsia
4. Duração do tratamento: Protocolos podem exigir manutenção prolongada para sustentação dos ganhos
5. Aspectos psicossociais: Impacto emocional da condição e limitações percebidas ou reais
Perspectivas Futuras
A pesquisa em neuroplasticidade visual sugere diversas áreas promissoras para o futuro:
- Biomarcadores preditivos: Identificação de pacientes adultos com maior potencial de resposta
- Terapias personalizadas: Protocolos adaptados às características específicas de cada paciente
- Tecnologias de gamificação: Aumento da adesão através de elementos lúdicos e motivacionais
- Intervenções combinadas: Protocolos integrando múltiplas modalidades terapêuticas
- Terapias domiciliares monitoradas remotamente: Ampliando o acesso e a eficiência
Conclusão
Embora o tratamento da ambliopia em adultos continue sendo um desafio significativo, a evolução no conhecimento sobre neuroplasticidade visual desafia o dogma histórico da intratabilidade após o período crítico de desenvolvimento.
As evidências científicas acumuladas sugerem que intervenções apropriadas podem proporcionar melhoras funcionais significativas mesmo em pacientes adultos.
A abordagem mais promissora parece ser multidisciplinar, combinando correção óptica precisa, terapia visual estruturada, possíveis intervenções cirúrgicas quando indicadas, e potencialmente técnicas de neuromodulação.
O futuro do tratamento para adultos com estrabismo e ambliopia dependerá da translação efetiva das descobertas sobre neuroplasticidade cerebral para protocolos clínicos acessíveis e viáveis na prática oftalmológica diária.
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