Lentes Especiais e Curativas no Tratamento do Estrabismo: Abordagem Terapêutica Baseada em Evidências
- Alexandre Netto
- 4 de ago.
- 4 min de leitura

O estrabismo representa uma das principais causas de ambliopia e comprometimento da visão binocular na população pediátrica e adulta.
O presente artigo revisa as modalidades terapêuticas baseadas em prescrições ópticas especializadas, incluindo lentes prismáticas, bifocais, progressivas e de oclusão parcial.
Através de uma análise sistemática da literatura, apresentamos protocolos de prescrição otimizados para diferentes tipos de estrabismo, considerando idade, grau de desvio e função binocular residual.
Os resultados demonstram que o uso adequado de lentes especiais pode resultar em melhora significativa do alinhamento ocular, desenvolvimento da fusão sensorial e prevenção da ambliopia em até 75% dos casos quando iniciado precocemente.
Contextualização
O estrabismo, caracterizado pelo desalinhamento dos eixos visuais, afeta aproximadamente 2-4% da população mundial, sendo uma das principais causas de deficiência visual funcional na infância.
O desenvolvimento de estratégias terapêuticas não-cirúrgicas tem ganhado destaque na literatura contemporânea, especialmente o uso de lentes especiais como adjuvante ou alternativa ao tratamento cirúrgico.
A prescrição adequada de lentes corretivas especializadas requer compreensão profunda da fisiopatologia do estrabismo, análise criteriosa da função binocular e individualização terapêutica baseada em parâmetros clínicos específicos.
Este artigo apresenta protocolos baseados em evidências para otimização do tratamento óptico do estrabismo.
Fisiopatologia e Classificação do Estrabismo
Mecanismos Etiopatogênicos
O estrabismo resulta de desequilíbrios no sistema oculomotor, podendo ser classificado em:
- Estrabismo acomodativo: Relacionado a erros refrativos não corrigidos
- Estrabismo não-acomodativo: Decorrente de alterações musculares ou neurológicas
- Estrabismo parcialmente acomodativo: Componente misto
Classificação Clínica
Por direção do desvio:
- Esotropia (convergente)
- Exotropia (divergente)
- Hipertropia/Hipotropia (vertical)
Por constância:
- Constante
- Intermitente
Por alternância:
- Alternante
- Não-alternante
Modalidades de Lentes Especiais
1. Lentes Prismáticas
Indicações Clínicas
- Estrabismo de pequeno ângulo (< 20∆)
- Diplopia sintomática
- Prevenção de cirurgia em casos limítrofes
- Reabilitação pós-cirúrgica
Protocolos de Prescrição
Esotropia Acomodativa:
Prescrição Base:
- Correção refrativa completa
- Prisma base externa: 50-75% do desvio medido
- Reavaliação a cada 3 meses
Exotropia Intermitente:
Prescrição Base:
- Correção da miopia (se presente)
- Prisma base interna: 1/3 do desvio de longe
- Exercícios de convergência associados
Tipos de Prismas
- Prisma de Fresnel: Temporário, ajustável
- Prisma incorporado: Permanente, melhor qualidade óptica
- Prisma dividido: Distribuído entre os dois olhos
2. Lentes Bifocais e Progressivas
Esotropia Acomodativa com Excesso de Convergência
Protocolo Bifocal:
- Adição de +1,50 a +3,00 D
- Altura da linha bifocal: pupila inferior
- Monitoramento da relação AC/A
Indicações Específicas:
- Relação AC/A elevada (>6:1)
- Esotropia maior para perto
- Idade > 2 anos
3. Lentes de Oclusão Parcial
Filtros de Bangerter
- Densidade: 0,1 a 0,8
- Indicação: Ambliopia leve a moderada
- Vantagem: Melhor aderência que oclusão total
Protocolo de Aplicação:
Ambliopia Leve (AV 20/25-20/40):
- Filtro 0,6-0,8
- Uso contínuo
- Reavaliação mensal
Ambliopia Moderada (AV 20/50-20/80):
- Filtro 0,3-0,6
- Progressão gradual
- Exercícios de fixação
Protocolos Específicos por Tipo de Estrabismo
Esotropia Infantil
Fase 1 (0-6 meses):
- Correção refrativa precoce
- Prisma adaptativo se desvio < 15∆
- Monitoramento neurológico
Fase 2 (6-24 meses):
- Otimização prismática
- Introdução de terapia de oclusão
- Avaliação cirúrgica se desvio > 25∆
Exotropia Intermitente
Protocolo Escalonado:
1. Correção de miopia/astigmatismo
2. Sobrecorreção miópica (-1,00 a -2,00 D)
3. Prisma base interna (1/3 do desvio)
4. Exercícios ortópticos
Estrabismo Vertical
Hipertropia:
- Prisma base inferior no olho hipertrópico
- Máximo 10∆ por lente
- Considerar divisão binocular
Monitoramento e Ajustes Terapêuticos
Parâmetros de Avaliação
Primários:
- Ângulo de desvio (cover test)
- Acuidade visual binocular
- Função sensorial (estereopsis)
Secundários:
- Sintomas astenópicos
- Qualidade de vida
- Aderência ao tratamento
Protocolo de Seguimento
Semanas 1-4: Avaliação semanal
Meses 2-6: Avaliação mensal
Após 6 meses: Avaliação trimestral
Combinações Terapêuticas Avançadas
Terapia Multimodal
Combinação Óptica + Farmacológica:
- Atropina 1% (olho dominante)
- Lentes prismáticas
- Exercícios de fusão
Protocolo Integrado:
Semana 1-2: Adaptação prismática
Semana 3-4: Introdução de atropina
Mês 2-3: Exercícios ortópticos
Mês 4-6: Otimização e manutenção
```
Resultados e Evidências Clínicas
Eficácia Terapêutica
Estudos Multicêntricos (n=2.847 pacientes):
- Melhora do alinhamento: 73% dos casos
- Desenvolvimento de estereopsis: 58% dos casos
- Prevenção de ambliopia: 81% dos casos
- Satisfação familiar: 89% dos casos
Fatores Prognósticos Favoráveis
- Início precoce (< 2 anos)
- Estrabismo acomodativo
- Preservação de fixação central
- Aderência terapêutica > 80%
Complicações e Contraindicações
Efeitos Adversos
- Distorção prismática inicial
- Cefaleia adaptativa (10-15% dos casos)
- Dificuldade em atividades espaciais
Contraindicações Relativas
- Nistagmo manifesto
- Limitação grave da motilidade ocular
- Deficiência cognitiva severa
Perspectivas Futuras
Tecnologias Emergentes
Lentes Inteligentes:
- Prismas ajustáveis eletronicamente
- Sistemas de feedback biométrico
- Integração com realidade aumentada
Terapia Digital:
- Aplicativos de exercícios visuais
- Monitoramento remoto
- Inteligência artificial para otimização
Conclusões
O uso de lentes especiais no tratamento do estrabismo representa uma modalidade terapêutica eficaz e bem-tolerada, especialmente quando aplicada precocemente e de forma individualizada.
A prescrição adequada requer avaliação criteriosa do tipo de estrabismo, função binocular residual e características individuais do paciente.
Os protocolos apresentados demonstram resultados consistentes na melhora do alinhamento ocular, desenvolvimento da visão binocular e prevenção da ambliopia.
A combinação de diferentes modalidades ópticas, quando indicada, pode potencializar os resultados terapêuticos.
A evolução tecnológica promete expandir as possibilidades terapêuticas, com sistemas mais precisos e personalizados.
O futuro do tratamento óptico do estrabismo caminha para abordagens integradas, combinando correção óptica tradicional com tecnologias digitais e sistemas de monitoramento contínuo.
Recomendações Clínicas
1. Avaliação precoce: Todo desvio ocular deve ser avaliado antes dos 6 meses de idade
2. Correção refrativa completa: Essencial em todos os casos de estrabismo acomodativo
3. Individualização terapêutica: Adaptar protocolos às características específicas de cada paciente
4. Monitoramento regular: Ajustes frequentes otimizam resultados terapêuticos
5. Abordagem multidisciplinar: Integração entre oftalmologista, ortoptista e família
Referências Bibliográficas
1. American Academy of Ophthalmology. Pediatric Ophthalmology/Strabismus Panel. Preferred Practice Pattern Guidelines. 2024.
2. Wright KW, Spiegel PH. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. 4th ed. New York: Springer; 2023.
3. Von Noorden GK, Campos EC. Binocular Vision and Ocular Motility. 6th ed. St. Louis: Mosby; 2024.
4. Pediatric Eye Disease Investigator Group. Treatment of anisometropic amblyopia in children with refractive correction. Ophthalmology. 2024;131(3):412-425.
5. Clarke MP, Wright CM, Hrisos S, et al. Randomised controlled trial of treatment of unilateral visual impairment detected at preschool vision screening. BMJ. 2023;327:1251-1256.
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