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Alergias e Saúde Ocular: Entenda a Relação dos Olhos Saudáveis em Pacientes Alérgicos

  • Foto do escritor: Alexandre Netto
    Alexandre Netto
  • 5 de jul
  • 6 min de leitura
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CONTEXTUALIZAÇÃO


As alergias oculares representam uma das condições oftalmológicas mais prevalentes na prática clínica contemporânea, afetando significativamente a qualidade de vida dos pacientes.


Este artigo examina a complexa relação entre processos alérgicos sistêmicos e a saúde ocular, explorando os mecanismos fisiopatológicos, manifestações clínicas, diagnóstico diferencial e abordagens terapêuticas baseadas em evidências.


A compreensão dessa interação é fundamental para o manejo adequado de pacientes alérgicos e a preservação da integridade funcional do sistema visual.


As manifestações oculares de processos alérgicos constituem um espectro amplo de condições que podem variar desde reações leves e transitórias até quadros graves e potencialmente ameaçadores da visão.


A prevalência crescente das doenças alérgicas na população global, estimada em aproximadamente 25% dos indivíduos, tem resultado em um aumento proporcional das queixas oftalmológicas relacionadas a hipersensibilidade.


A superfície ocular, por sua exposição direta ao ambiente externo e rica inervação sensorial, constitui um sítio privilegiado para reações de hipersensibilidade.


A conjuntiva, em particular, apresenta características histológicas e imunológicas que a tornam susceptível a processos inflamatórios mediados por mecanismos alérgicos, incluindo a presença de mastócitos, células dendríticas e uma extensa rede vascular.


Fisiopatologia das Alergias Oculares


Mecanismos Imunológicos


As reações alérgicas oculares são predominantemente mediadas por mecanismos de hipersensibilidade tipo I (IgE-mediada), embora reações de hipersensibilidade tardia (tipo IV) também possam estar envolvidas em certas condições.


O processo inicia-se com a sensibilização prévia a alérgenos específicos, resultando na produção de anticorpos IgE específicos pelos linfócitos B.


Após a re-exposição ao alérgeno, ocorre a ligação cruzada dos anticorpos IgE na superfície dos mastócitos conjuntivais, desencadeando a degranulação celular e liberação de mediadores inflamatórios.


A histamina, principal mediador da fase aguda, é responsável pelos sintomas característicos de prurido, hiperemia e edema. Simultaneamente, leucotrienos, prostaglandinas e fator de ativação plaquetária contribuem para a perpetuação da resposta inflamatória.


Fase Tardia da Reação Alérgica


A fase tardia, que ocorre 4-12 horas após a exposição inicial, é caracterizada pelo recrutamento de eosinófilos, neutrófilos e linfócitos T para o sítio da reação.


Esta fase é particularmente importante nas formas crônicas de alergia ocular, onde a inflamação persistente pode levar a alterações estruturais da conjuntiva e córnea.


Classificação das Alergias Oculares


Conjuntivite Alérgica Sazonal (CAS)


A conjuntivite alérgica sazonal representa a forma mais comum de alergia ocular, tipicamente associada à exposição a pólens de árvores, gramíneas e ervas daninhas.


Caracteriza-se por sintomas intermitentes que coincidem com períodos específicos do ano, variando conforme a região geográfica e o padrão de polinização local.


Os pacientes apresentam prurido intenso, lacrimejamento, fotofobia e hiperemia conjuntival bilateral.


O quadro é frequentemente acompanhado por sintomas nasais, incluindo rinorreia, espirros e congestão nasal, configurando a rinoconjuntivite alérgica.


Conjuntivite Alérgica Perene (CAP)


A conjuntivite alérgica perene resulta da exposição contínua a alérgenos ambientais, como ácaros da poeira doméstica, epitélios de animais domésticos e fungos.


Diferentemente da forma sazonal, os sintomas persistem durante todo o ano, com possíveis exacerbações relacionadas a fatores ambientais específicos.


Ceratoconjuntivite Vernal (CCV)


A ceratoconjuntivite vernal é uma forma grave de alergia ocular que afeta predominantemente crianças e adolescentes do sexo masculino em regiões de clima quente e seco.


Caracteriza-se por inflamação crônica severa da conjuntiva e córnea, com formação de papilas gigantes na conjuntiva tarsal superior ("cobblestone appearance") e nódulos de Trantas no limbo esclerocorneal.


Esta condição apresenta potencial para complicações graves, incluindo úlceras corneais, ceratocone e alterações cicatriciais da conjuntiva, podendo resultar em comprometimento visual permanente se não adequadamente tratada.


Ceratoconjuntivite Atópica (CCA)


A ceratoconjuntivite atópica ocorre em associação com dermatite atópica, afetando predominantemente adultos jovens.


Caracteriza-se por inflamação crônica bilateral da conjuntiva e córnea, com formação de papilas na conjuntiva tarsal inferior e potencial para desenvolver catarata subcapsular anterior e ceratocone.


Conjuntivite Papilar Gigante (CPG)


A conjuntivite papilar gigante é uma reação inflamatória crônica associada ao uso de lentes de contato, suturas oculares ou próteses oculares.


Embora não seja uma verdadeira reação alérgica, compartilha características histopatológicas similares com outras formas de conjuntivite alérgica.


Diagnóstico Diferencial


Avaliação Clínica


O diagnóstico das alergias oculares baseia-se primariamente na anamnese detalhada e exame oftalmológico completo.


A história clínica deve incluir informações sobre sazonalidade dos sintomas, fatores desencadeantes, história familiar de atopia e presença de sintomas sistêmicos associados.


O exame oftalmológico deve avaliar a acuidade visual, biomicroscopia da superfície ocular, avaliação da pressão intraocular e, quando indicado, exame de fundo de olho.


A presença de prurido intenso, hiperemia conjuntival, quemose e secreção mucosa são achados característicos das condições alérgicas.


Testes Complementares


A citologia conjuntival pode revelar a presença de eosinófilos, confirmando o componente alérgico da inflamação.


Testes cutâneos de hipersensibilidade imediata e dosagem de IgE específica podem auxiliar na identificação de alérgenos causais, orientando medidas de controle ambiental e tratamento específico.


Em casos de ceratoconjuntivite vernal e atópica, a avaliação da superfície corneal através de topografia corneana e tomografia de coerência óptica pode ser necessária para detectar alterações estruturais precoces.


Abordagem Terapêutica


Medidas Gerais e Controle Ambiental


O manejo inicial das alergias oculares deve priorizar a identificação e eliminação dos alérgenos causais.


Medidas de controle ambiental incluem o uso de purificadores de ar, manutenção de baixa umidade relativa no ambiente doméstico, lavagem frequente de roupas de cama em água quente e evitação de exposição a pólens durante períodos de alta concentração.


A aplicação de compressas frias pode proporcionar alívio sintomático temporário, enquanto a irrigação ocular com soluções salinas ajuda na remoção de alérgenos da superfície ocular.


Terapia Farmacológica Tópica


Anti-histamínicos Tópicos


Os anti-histamínicos tópicos constituem a primeira linha de tratamento para formas leves a moderadas de alergia ocular.


Olopatadina, cetotifeno e levocabastina demonstram eficácia na redução do prurido e hiperemia conjuntival, com perfil de segurança favorável para uso prolongado.


Estabilizadores de Mastócitos


O cromoglicato de sódio e nedocromil sódico atuam estabilizando a membrana dos mastócitos, prevenindo a degranulação e liberação de mediadores inflamatórios.


Estes medicamentos são particularmente úteis na profilaxia da conjuntivite alérgica sazonal quando iniciados previamente à exposição aos alérgenos.


Corticosteroides Tópicos


Os corticosteroides tópicos são reservados para casos graves ou refratários ao tratamento convencional, devido aos riscos de efeitos colaterais oculares, incluindo elevação da pressão intraocular, catarata e predisposição a infecções.


Quando indicados, devem ser utilizados por períodos limitados e sob supervisão oftalmológica rigorosa.


Inibidores da Calcineurina


A ciclosporina A tópica tem demonstrado eficácia no tratamento da ceratoconjuntivite vernal e atópica, oferecendo uma alternativa aos corticosteroides em casos que requerem terapia anti-inflamatória prolongada.


Terapia Sistêmica


Em casos de alergia ocular associada a manifestações sistêmicas significativas, o tratamento sistêmico com anti-histamínicos orais pode ser benéfico.


Imunoterapia específica (dessensibilização) pode ser considerada em pacientes com alergia bem caracterizada e refratária ao tratamento convencional.


Complicações e Prognóstico


Complicações Oculares


As formas graves de alergia ocular, particularmente a ceratoconjuntivite vernal e atópica, podem resultar em complicações visualmente significativas.


Úlceras corneais, perfuração ocular, ceratocone e cicatrização conjuntival são complicações potencialmente graves que requerem tratamento especializado imediato.


Impacto na Qualidade de Vida


As alergias oculares têm impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, afetando o desempenho escolar e profissional, atividades sociais e bem-estar psicológico.


Estudos demonstram que pacientes com conjuntivite alérgica apresentam scores de qualidade de vida comparáveis àqueles com hipertensão arterial sistêmica e angina pectoris.


Perspectivas Futuras


Terapias Emergentes


Novos agentes terapêuticos estão em desenvolvimento, incluindo antagonistas seletivos de leucotrienos, inibidores de citocinas específicas e moduladores da resposta imune inata.


Estas terapias promissoras podem oferecer opções adicionais para pacientes com formas refratárias de alergia ocular.


Medicina Personalizada


O desenvolvimento de biomarcadores específicos e testes de diagnóstico molecular pode permitir uma abordagem mais personalizada no tratamento das alergias oculares, otimizando a eficácia terapêutica e minimizando efeitos adversos.


Conclusão


As alergias oculares representam um grupo heterogêneo de condições que requerem abordagem diagnóstica e terapêutica individualizada.


A compreensão dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes é fundamental para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes e prevenção de complicações visualmente significativas.


O manejo adequado das alergias oculares envolve uma combinação de medidas de controle ambiental, terapia farmacológica apropriada e acompanhamento oftalmológico regular.


A colaboração entre oftalmologistas, alergologistas e outros profissionais de saúde é essencial para otimizar os resultados terapêuticos e qualidade de vida dos pacientes.


A pesquisa contínua em imunologia ocular e desenvolvimento de novas terapias promete melhorar significativamente as perspectivas de tratamento para pacientes com alergias oculares, particularmente aqueles com formas graves e refratárias da doença.


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