Melanoma nos Olhos - O Que Você Precisa Saber Sobre Essa Condição Ocular
- Alexandre Netto
- 13 de ago.
- 6 min de leitura

CONTEXTUALIZAÇÃO
O melanoma ocular representa uma das neoplasias malignas primárias mais raras do globo ocular, correspondendo a aproximadamente 5% de todos os melanomas diagnosticados.
Embora sua incidência seja baixa, com cerca de 5-7 casos por milhão de habitantes por ano, esta condição representa a neoplasia intraocular primária mais comum em adultos, exigindo diagnóstico precoce e tratamento especializado para preservação visual e controle oncológico.
Esta patologia afeta predominantemente a úvea - estrutura vascular composta pela íris, corpo ciliar e coroide - sendo a localização coroidal responsável por aproximadamente 85% dos casos.
A compreensão dos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos do melanoma ocular é fundamental para oftalmologistas e profissionais da saúde, considerando seu potencial metastático e impacto na qualidade de vida dos pacientes.
Anatomia e Fisiopatologia
Estruturas Anatômicas Envolvidas
O melanoma ocular desenvolve-se primariamente a partir dos melanócitos presentes na úvea, particularmente na camada coroidal.
A coroide é uma membrana altamente vascularizada localizada entre a esclera e a retina, responsável pela nutrição das camadas externas da retina.
Esta rica vascularização contribui para o potencial metastático elevado desta neoplasia.
Desenvolvimento Tumoral
O processo de transformação maligna dos melanócitos oculares envolve alterações genéticas complexas, incluindo mutações nos genes GNAQ, GNA11 e BAP1.
Estas mutações levam à ativação de vias de sinalização que promovem proliferação celular descontrolada e resistência à apoptose.
A perda da função do gene BAP1 está particularmente associada ao desenvolvimento de metástases hepáticas.
Epidemiologia e Fatores de Risco
Incidência e Demografia
O melanoma ocular apresenta maior incidência em indivíduos caucasianos, com pico de ocorrência entre a quinta e sexta décadas de vida.
Existe uma leve predominância masculina, com razão homem:mulher de aproximadamente 1,3:1. A incidência varia geograficamente, sendo mais elevada em regiões com maior exposição à radiação ultravioleta.
Fatores de Risco Identificados
Fatores Genéticos:
- Predisposição familiar rara
- Mutações germinativas no gene BAP1
- Síndrome do nevo displásico familiar
Fatores Ambientais:
- Exposição excessiva à radiação ultravioleta
- Uso de camas de bronzeamento
- Exposição ocupacional à radiação
Características Fenotípicas:
- Pele clara e propensão a queimaduras solares
- Olhos claros (azuis ou verdes)
- Presença de nevos oculares pré-existentes
Apresentação Clínica
Sintomas Iniciais
Na fase inicial, o melanoma ocular frequentemente apresenta-se de forma assintomática, sendo descoberto durante exames oftalmológicos de rotina. Quando sintomático, os pacientes podem relatar:
- Diminuição da acuidade visual unilateral
- Alterações no campo visual, particularmente escotomas
- Fotopsias (sensação de flashes luminosos)
- Metamorfopsia (distorção das imagens)
- Presença de "sombra" ou "cortina" no campo visual
Sinais Oftalmoscópicos
Ao exame fundoscópico, o melanoma coroidal típico apresenta-se como uma lesão pigmentada de formato cupuliforme ou em "cogumelo", com as seguintes características:
- Coloração variável, desde amelanótica até intensamente pigmentada
- Superficie irregular com possível ulceração
- Descolamento seroso da retina sobrejacente
- Presença de lipofuscina (pigmento alaranjado) na superficie
- Vasos sanguíneos dilatados e tortuosos na região perilesional
Diagnóstico
Exame Clínico Detalhado
O diagnóstico do melanoma ocular baseia-se inicialmente no exame oftalmológico completo, incluindo:
Biomicroscopia do Segmento Anterior:
- Avaliação da íris e ângulo iridocorneano
- Pesquisa de células tumorais na câmara anterior
- Identificação de glaucoma secundário
Oftalmoscopia Indireta:
- Mapeamento detalhado da lesão
- Avaliação das dimensões tumorais
- Identificação de descolamento retiniano
Métodos de Imagem
Ultrassonografia Ocular:
- Método diagnóstico de primeira linha
- Permite mensuração precisa das dimensões tumorais
- Identifica características acústicas típicas (baixa refletividade interna)
- Avalia vascularização através do Doppler colorido
Angiografia Fluoresceínica:
- Demonstra padrão vascular característico
- Identifica areas de hipofluorescência central com hiperfluorescência periférica
- Útil na diferenciação com outras lesões coroidais
Tomografia de Coerência Óptica (OCT):
- Avalia alterações retinianas secundárias
- Documenta descolamento seroso da retina
- Monitora resposta terapêutica
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial do melanoma ocular inclui diversas condições que podem mimetizar sua apresentação:
Lesões Pigmentadas:
- Nevo coroidal
- Hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina
- Melanocitose ocular
Lesões Amelanóticas:
- Hemangioma coroidal
- Metástase coroidal
- Granuloma inflamatório
Estadiamento e Prognóstico
Sistema de Estadiamento TNM
O estadiamento do melanoma ocular segue o sistema TNM da American Joint Committee on Cancer (AJCC), considerando:
Tumor Primário (T):
- T1: Tumor pequeno (≤3mm de altura)
- T2: Tumor médio (3,1-8,0mm de altura)
- T3: Tumor grande (8,1-15,0mm de altura)
- T4: Tumor muito grande (>15,0mm de altura)
Linfonodos Regionais (N):
- N0: Ausência de metástase linfonodal
- N1: Presença de metástase linfonodal
Metástases Distantes (M):
- M0: Ausência de metástases distantes
- M1: Presença de metástases distantes
Fatores Prognósticos
Fatores Anatômicos:
- Localização tumoral (íris apresenta melhor prognóstico)
- Dimensões tumorais (altura e diâmetro basal)
- Extensão extraescleral
Fatores Histopatológicos:
- Tipo celular (células epitelióides associadas a pior prognóstico)
- Atividade mitótica
- Invasão vascular
- Infiltrado inflamatório
Fatores Moleculares:
- Status da mutação BAP1
- Expressão de marcadores de proliferação celular
- Perfil cromossômico (monossomia do cromossomo 3)
Modalidades Terapêuticas
Tratamentos Conservadores
Braquiterapia com Placas Radioativas:
- Tratamento de escolha para tumores pequenos e médios
- Utiliza isótopos como Iodo-125 ou Rutênio-106
- Preserva a estrutura ocular com controle tumoral adequado
- Taxa de controle local superior a 95% em 5 anos
Termoterapia Transpupilar:
- Indicada para tumores pequenos (<3mm de altura)
- Frequentemente combinada com braquiterapia
- Utiliza laser de diodo infravermelho
- Preserva função visual em casos selecionados
Radioterapia com Feixe de Prótons:
- Alternativa à braquiterapia em centros especializados
- Permite entrega precisa de dose com menor toxicidade
- Indicada para tumores próximos ao nervo óptico ou mácula
Tratamento Cirúrgico
Enucleação:
- Indicada para tumores grandes (>15mm de altura)
- Considerada quando há perda visual severa
- Necessária em casos de glaucoma neovascular refratário
- Inclui implante orbital para resultado estético adequado
Ressecção Local:
- Técnica especializada para tumores selecionados
- Permite preservação do globo ocular
- Requer experiência cirúrgica considerável
- Associada a maior risco de complicações
Terapias Sistêmicas
Tratamento de Metástases:
- Imunoterapia com inibidores de checkpoint
- Terapia alvo com inibidores de MEK
- Quimioterapia convencional em casos selecionados
- Tratamentos locorregionais hepáticos (quimioembolização, ablação)
Seguimento e Vigilância
Protocolo de Acompanhamento
O seguimento do melanoma ocular requer protocolo estruturado devido ao risco de recidiva local e desenvolvimento de metástases:
Avaliação Oftalmológica:
- Exames trimestrais no primeiro ano
- Exames semestrais do segundo ao quinto ano
- Exames anuais após o quinto ano
- Ultrassonografia ocular a cada consulta
Rastreamento Sistêmico:
- Exames de imagem hepática (ultrassom, tomografia ou ressonância)
- Dosagem de enzimas hepáticas
- Frequência baseada no risco individual de metástases
Detecção de Metástases
Aproximadamente 50% dos pacientes com melanoma ocular desenvolverão metástases, predominantemente hepáticas, ao longo de 10 anos. O reconhecimento precoce é fundamental para instituição de tratamento adequado:
Sintomas de Alerta:
- Fadiga inexplicada
- Perda de peso não intencional
- Desconforto abdominal
- Alterações no padrão intestinal
Complicações e Sequelas
Complicações do Tratamento
Relacionadas à Braquiterapia:
- Retinopatia actínica
- Neuropatia óptica isquêmica
- Catarata induzida por radiação
- Glaucoma neovascular
- Olho seco severo
Relacionadas à Enucleação:
- Síndrome do implante orbital
- Complicações estéticas
- Impacto psicológico significativo
- Limitações funcionais
Reabilitação Visual
Pacientes submetidos a tratamento conservador podem apresentar sequelas visuais significativas, requerendo:
- Auxílios ópticos para baixa visão
- Orientação e mobilidade
- Suporte psicológico especializado
- Adaptações no ambiente de trabalho
Aspectos Psicossociais
Impacto Emocional
O diagnóstico de melanoma ocular gera impacto psicológico significativo nos pacientes e familiares:
- Ansiedade relacionada ao prognóstico oncológico
- Depressão secundária à perda visual
- Alterações na qualidade de vida
- Dificuldades de adaptação social e profissional
Suporte Multidisciplinar
O cuidado integral inclui:
- Acompanhamento psico-oncológico
- Orientação sobre recursos de acessibilidade
- Grupos de apoio para pacientes
- Integração com serviços de reabilitação visual
Prevenção e Conscientização
Medidas Preventivas
Embora a prevenção primária do melanoma ocular seja limitada, algumas medidas podem reduzir o risco:
Proteção Solar:
- Uso de óculos de sol com proteção UV adequada
- Proteção durante atividades ao ar livre
- Evitar exposição excessiva à radiação ultravioleta
Vigilância de Lesões Pré-existentes:
- Acompanhamento oftalmológico de nevos oculares
- Documentação fotográfica seriada
- Investigação de mudanças nas características das lesões
Educação da População
A conscientização sobre o melanoma ocular deve incluir:
- Importância dos exames oftalmológicos regulares
- Reconhecimento de sintomas de alerta
- Conhecimento dos fatores de risco
- Orientações sobre proteção ocular
Perspectivas Futuras
Avanços na Pesquisa
Biomarcadores Moleculares:
- Desenvolvimento de testes prognósticos baseados em perfil genético
- Identificação de alvos terapêuticos específicos
- Medicina personalizada baseada em características tumorais
Novas Modalidades Terapêuticas:
- Imunoterapia adjuvante para prevenção de metástases
- Terapias celulares e genéticas
- Nanotecnologia para entrega direcionada de medicamentos
Técnicas Diagnósticas Avançadas:
- Inteligência artificial para interpretação de imagens
- Biópsia líquida para detecção de DNA tumoral circulante
- Métodos de imagem multimodal integrada
Conclusão
O melanoma ocular representa uma condição oncológica complexa que requer abordagem multidisciplinar especializada.
O diagnóstico precoce através de exames oftalmológicos regulares é fundamental para otimização dos resultados terapêuticos e preservação visual.
A evolução das modalidades de tratamento permite atualmente oferecer opções conservadoras eficazes para a maioria dos pacientes, mantendo controle oncológico adequado com preservação da função visual.
O seguimento estruturado é essencial devido ao potencial metastático desta neoplasia, particularmente para o fígado.
Os avanços na compreensão da biologia molecular do melanoma ocular abrem perspectivas promissoras para o desenvolvimento de terapias personalizadas e estratégias preventivas mais eficazes.
A integração de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas, combinada com cuidado multidisciplinar abrangente, continua a melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes afetados por esta condição rara porém significativa.
A educação continuada dos profissionais de saúde e a conscientização da população sobre os fatores de risco e sintomas de alerta permanecem pilares fundamentais na luta contra o melanoma ocular, contribuindo para detecção precoce e melhores desfechos clínicos.
Referências Bibliográficas:
Este artigo baseia-se em evidências científicas atuais da literatura oftalmológica e oncológica especializada, incluindo diretrizes de sociedades médicas internacionais como a American Academy of Ophthalmology, European Society of Medical Oncology e International Society of Ocular Oncology.




Comentários