O Que Define a Cor dos Olhos? Entenda essa Característica Ocular Hereditária
- Alexandre Netto
- 6 de out.
- 4 min de leitura

A cor dos olhos é uma das características mais fascinantes e distintivas do ser humano, resultado de uma complexa interação entre genética, estrutura anatômica e propriedades ópticas.
Embora frequentemente simplificada em explicações cotidianas, a determinação da cor dos olhos envolve múltiplos genes e mecanismos biológicos sofisticados que continuam sendo objeto de estudo na oftalmologia e genética moderna.
A Anatomia por Trás da Cor
A cor dos olhos é determinada principalmente pela íris, a estrutura circular e contrátil localizada na porção anterior do globo ocular.
A íris é composta por duas camadas principais: o estroma anterior e o epitélio pigmentar posterior. A quantidade, tipo e distribuição de melanina nestas camadas são os fatores determinantes da cor observada.
O estroma iriano contém células chamadas melanócitos, responsáveis pela produção de melanina.
O epitélio posterior da íris é sempre densamente pigmentado em todos os indivíduos, independentemente da cor dos olhos.
A variação na cor ocular resulta, portanto, da quantidade de melanina presente no estroma anterior e de como a luz interage com essa estrutura.
O Papel da Melanina
A melanina é o pigmento fundamental na determinação da cor dos olhos. Existem dois tipos principais de melanina na íris: a eumelanina, de coloração marrom-escura, e a feomelanina, de tonalidade amarelo-avermelhada.
A proporção e concentração desses pigmentos determinam a ampla gama de cores oculares observadas na população humana.
Olhos castanhos, os mais comuns globalmente, apresentam alta concentração de melanina no estroma iriano.
Olhos azuis, por outro lado, contêm quantidades mínimas de melanina no estroma, e sua cor resulta do fenômeno de dispersão de Rayleigh, o mesmo princípio físico que torna o céu azul.
A luz de comprimento de onda mais curto (azul) é dispersada pelas fibras de colágeno do estroma, enquanto comprimentos de onda mais longos são absorvidos.
Olhos verdes e avelã representam quantidades intermediárias de melanina, com a adição de lipocromos amarelados no estroma, criando tonalidades únicas através da combinação de pigmentos e dispersão luminosa.
A Genética da Cor dos Olhos
Durante décadas, acreditou-se que a cor dos olhos seguia um padrão mendeliano simples, com genes para olhos castanhos sendo dominantes sobre genes para olhos azuis.
Hoje sabemos que a realidade é consideravelmente mais complexa. A cor dos olhos é um traço poligênico, influenciado por múltiplos genes localizados em diferentes cromossomos.
Os dois genes mais importantes identificados até o momento são o OCA2 (gene associado ao albinismo oculocutâneo tipo 2) e o HERC2, ambos localizados no cromossomo 15.
Uma região regulatória específica no gene HERC2 controla a expressão do gene OCA2, que por sua vez influencia a quantidade de melanina produzida nos melanócitos da íris.
Pesquisas recentes identificaram pelo menos 16 genes diferentes que contribuem para a determinação da cor dos olhos, incluindo ASIP, IRF4, SLC24A4, SLC45A2, TPCN2, TYR e TYRP1. Essa complexidade genética explica por que a herança da cor dos olhos nem sempre segue padrões previsíveis e por que dois pais de olhos azuis podem, embora raramente, ter um filho de olhos castanhos, e vice-versa.
Variações e Fenômenos Especiais
Heterocromia
A heterocromia é uma condição na qual os olhos apresentam cores diferentes (heterocromia completa) ou uma íris contém múltiplas cores (heterocromia parcial ou setorial).
Pode ser congênita, resultante de variações genéticas benignas, ou adquirida devido a trauma, inflamação, uso de medicamentos ou condições como síndrome de Horner ou síndrome de Waardenburg.
Mudanças na Cor dos Olhos
Muitos recém-nascidos, especialmente de ascendência europeia, nascem com olhos azuis ou cinza-claros.
A cor definitiva geralmente se estabelece entre 6 e 12 meses de idade, embora mudanças sutis possam continuar até os 3 anos.
Isso ocorre porque os melanócitos da íris continuam produzindo melanina após o nascimento, respondendo à exposição luminosa e ao desenvolvimento normal.
Em adultos, mudanças significativas na cor dos olhos são incomuns e podem indicar condições patológicas, como glaucoma pigmentar, siderose, melanoma de íris ou uso de análogos de prostaglandinas (medicamentos para glaucoma que podem escurecer a íris).
Distribuição Populacional e Evolução
A distribuição da cor dos olhos varia significativamente entre populações e regiões geográficas. Olhos castanhos são predominantes globalmente, especialmente em África, Ásia, América Latina e Oriente Médio.
Olhos azuis são mais comuns em populações do norte da Europa, particularmente em países escandinavos e bálticos, onde podem representar mais de 80% da população em algumas regiões.
Estudos genéticos sugerem que a mutação responsável por olhos azuis surgiu há aproximadamente 6.000 a 10.000 anos, provavelmente em uma única pessoa na região do Mar Negro. Todos os indivíduos de olhos azuis hoje descendem desse ancestral comum, compartilhando a mesma variação genética.
A seleção natural pode ter favorecido olhos claros em latitudes altas devido à menor intensidade de radiação UV ou através de seleção sexual. Alternativamente, a variação pode ter se espalhado por deriva genética em populações pequenas e isoladas.
Implicações Clínicas
A cor dos olhos tem relevância clínica em alguns contextos. Indivíduos de olhos claros apresentam maior risco de desenvolver degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e podem ser mais sensíveis à luz intensa (fotofobia), embora a proteção solar adequada seja essencial para todos, independentemente da cor dos olhos.
Curiosamente, estudos epidemiológicos sugerem que pessoas de olhos claros podem ter menor risco de desenvolver algumas formas de catarata, mas maior risco para melanoma uveal, embora os mecanismos não sejam completamente compreendidos.
Considerações Finais
A cor dos olhos representa uma interseção fascinante entre genética, desenvolvimento, física óptica e evolução humana. Embora os avanços científicos tenham elucidado muito sobre os mecanismos envolvidos, ainda há aspectos a serem descobertos, especialmente quanto às interações complexas entre múltiplos genes e fatores ambientais.
Compreender os fundamentos da cor dos olhos não apenas satisfaz a curiosidade científica, mas também tem aplicações práticas em medicina forense, genética populacional e aconselhamento genético.
Para oftalmologistas, esse conhecimento enriquece a avaliação clínica e permite identificar variações normais de condições patológicas que requerem investigação adicional.
A beleza da diversidade ocular humana reflete a complexidade biológica que nos define como espécie, lembrando-nos de que mesmo características aparentemente simples escondem uma sofisticação notável em seus mecanismos subjacentes.
Referências Sugeridas:
Sturm RA, Larsson M. Genetics of human iris colour and patterns. Pigment Cell Melanoma Res. 2009;22(5):544-562.
Eiberg H, et al. Blue eye color in humans may be caused by a perfectly associated founder mutation in a regulatory element located within the HERC2 gene inhibiting OCA2 expression. Hum Genet. 2008;123(2):177-187.
Liu F, et al. Digital quantification of human eye color highlights genetic association of three new loci. PLoS Genet. 2010;6(5):e1000934.




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