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Saúde Ocular em Viagens de Avião: Considerações Clínicas e Recomendações para Pacientes Oftalmológicos

  • Foto do escritor: Alexandre Netto
    Alexandre Netto
  • 10 de jul.
  • 5 min de leitura


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A aviação comercial expõe os passageiros a condições ambientais específicas que podem influenciar significativamente a saúde ocular.


Este artigo revisa as principais condições oftalmológicas que podem ser afetadas durante voos comerciais, analisando os mecanismos fisiopatológicos envolvidos e fornecendo diretrizes clínicas baseadas em evidências para o manejo seguro desses pacientes.


CONTEXTUALIZAÇÃO


O transporte aéreo comercial moderno submete os passageiros a um ambiente único caracterizado por pressurização da cabine equivalente a altitudes de 1.800 a 2.400 metros, umidade relativa reduzida (10-20%) e exposição prolongada a ar recirculado.


Essas condições podem desencadear ou exacerbar diversas patologias oculares, tornando essencial o conhecimento dessas interações para a prática oftalmológica contemporânea.


A pressão atmosférica ao nível do mar é de aproximadamente 760 mmHg, reduzindo-se para cerca de 565-609 mmHg nas altitudes de cruzeiro simuladas nas cabines pressurizadas. Esta variação, embora relativamente pequena, pode ter consequências significativas para pacientes com determinadas condições oculares pré-existentes.


Fisiopatologia das Alterações Oculares em Altitude


Efeitos da Pressão Barométrica


A redução da pressão atmosférica durante o voo pode afetar o equilíbrio entre a produção e drenagem do humor aquoso, influenciando a pressão intraocular (PIO).


Estudos demonstram que a PIO pode variar de 2-5 mmHg durante voos comerciais, sendo esta variação mais pronunciada em pacientes com glaucoma.


Impacto da Baixa Umidade


A umidade reduzida nas cabines de aeronaves accelera a evaporação do filme lacrimal, comprometendo a superfície ocular. Esta condição é particularmente problemática para pacientes com disfunção da glândula meibomiana ou síndrome do olho seco pré-existente.


Expansão de Gases Intraoculares


Segundo a Lei de Boyle-Mariotte, gases se expandem com a redução da pressão atmosférica. Em pacientes submetidos a vitrectomia com tamponamento gasoso, esta expansão pode causar aumento crítico da PIO, representando uma emergência oftalmológica.


Condições Oculares de Risco Durante Voos Comerciais


1. Retinopatia Diabética e Hipertensiva


Pacientes com retinopatia diabética proliferativa ou hipertensiva apresentam fragilidade vascular retiniana significativa. A variação de pressão durante o voo pode predispor a hemorragias retinianas, especialmente em casos de controle glicêmico inadequado ou hipertensão arterial sistêmica descompensada.


Mecanismo:


A alteração da pressão transmural nos vasos retinianos pode romper capilares já fragilizados pela microangiopatia diabética ou hipertensiva.


Recomendações:


Pacientes com retinopatia proliferativa ativa ou hemorragias retinianas recentes devem ser avaliados individualmente, considerando-se o adiamento da viagem em casos instáveis.


2. Descolamento de Retina


O descolamento de retina, particularmente o regmatogênico, pode ser influenciado pelas mudanças de pressão durante o voo.


Pacientes com histórico recente de descolamento ou com fatores de risco elevado (miopia alta, trauma ocular, histórico familiar) requerem atenção especial.


Fisiopatologia:


A variação de pressão pode afetar a dinâmica do vítreo e a aderência retiniana, potencialmente facilitando a progressão de roturas retinianas pré-existentes.


Contraindicações:


Descolamento ativo não tratado ou pós-operatório imediato de cirurgia reparadora.


3. Cirurgias Vitreoretinianas com Tamponamento Gasoso


Esta representa a contraindicação mais absoluta para voos comerciais. Gases como hexafluoreto de enxofre (SF6) e perfluoropropano (C3F8) utilizados como tamponamento interno podem expandir significativamente com a altitude.


Cálculos de Expansão:


- SF6: Expansão de aproximadamente 2:1 a 8.000 pés

- C3F8: Expansão de aproximadamente 1,3:1 a 8.000 pés


Consequências:


Aumento súbito da PIO podendo exceder 60 mmHg, causando isquemia do nervo óptico e cegueira irreversível.


Tempo de Restrição:


- SF6: 2-6 semanas dependendo da concentração

- C3F8: 6-8 semanas dependendo da concentração


4. Glaucoma


Pacientes glaucomatosos geralmente podem viajar com segurança, mas requerem monitoramento especial. A variação da PIO durante o voo pode ser mais pronunciada nestes pacientes devido à alteração na dinâmica do humor aquoso.


Considerações Especiais:


- Glaucoma de ângulo fechado: Maior risco de crise aguda

- Glaucoma avançado: Maior suscetibilidade a flutuações da PIO

- Pós-operatório de cirurgia filtrante: Risco de hiperfiltração


5. Síndrome do Olho Seco


A baixa umidade das cabines de aeronaves (10-20% vs 40-60% em ambientes terrestres) exacerba significativamente os sintomas do olho seco.


Manifestações Clínicas:


- Ardência e irritação ocular

- Sensação de corpo estranho

- Visão turva intermitente

- Fotofobia


Fatores Agravantes:


- Uso de lentes de contato

- Medicamentos sistêmicos (anti-histamínicos, descongestionantes)

- Fluxo de ar direcionado ao rosto


6. Sinusite e Infecções Oculares Ativas


A variação de pressão pode agravar processos inflamatórios orbitários, especialmente em pacientes com sinusite aguda ou celulite orbitária.


Mecanismo:


Alteração na drenagem dos seios paranasais pode aumentar a pressão orbitária e comprometer a drenagem venosa orbital.


Sintomas:


Dor retroocular, diplopia, redução da acuidade visual.


7. Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI)


A DMRI seca geralmente não contraindica voos, mas pacientes com forma exsudativa devem estar alertas para mudanças visuais súbitas.


Atenção Especial:


Pacientes em uso de inibidores do VEGF devem manter o cronograma de aplicações e reportar imediatamente qualquer alteração visual.


Recomendações Clínicas Baseadas em Evidências


Avaliação Pré-Voo


1. Anamnese detalhada:


Histórico de cirurgias oculares, uso de medicações tópicas, sintomas de olho seco


2. Exame oftalmológico completo:


Acuidade visual, biomicroscopia, fundoscopia, tonometria


3. Avaliação específica:


Teste de Schirmer em casos suspeitos de olho seco


Orientações Gerais


Para todos os pacientes:


- Hidratação adequada durante o voo

- Evitar fluxo de ar direcionado ao rosto

- Uso de óculos de proteção quando necessário

- Piscar frequentemente para manter a lubrificação ocular


Para usuários de lentes de contato:


- Preferir óculos durante voos longos

- Usar colírios lubrificantes compatíveis

- Evitar dormir com lentes de contato


Manejo Farmacológico


Colírios lubrificantes:


- Lágrimas artificiais sem conservantes

- Aplicação a cada 1-2 horas durante o voo

- Preferir formulações em gel para voos noturnos


Medicações de uso contínuo:


- Manter na bagagem de mão

- Levar prescrição médica atualizada

- Considerar doses extras para atrasos


Contraindicações Absolutas e Relativas


Contraindicações Absolutas


- Presença de gás intraocular (SF6, C3F8)

- Descolamento de retina ativo não tratado

- Glaucoma agudo descompensado

- Celulite orbitária ativa


Contraindicações Relativas


- Pós-operatório imediato de cirurgias oculares

- Retinopatia proliferativa ativa

- Uveíte aguda descompensada

- Olho seco severo não controlado


Considerações Especiais para Diferentes Populações


Pacientes Diabéticos


- Controle glicêmico otimizado antes da viagem

- Monitoramento mais frequente durante voos longos

- Atenção especial à hidratação


Pacientes Pediátricos


- Maior suscetibilidade a alterações de pressão

- Dificuldade em reportar sintomas

- Necessidade de acompanhamento oftalmológico mais próximo


Pacientes Idosos


- Múltiplas comorbidades oculares

- Uso de múltiplas medicações

- Maior risco de complicações


Emergências Oftalmológicas Durante o Voo


Reconhecimento e Manejo Inicial


Sinais de Alerta:


- Dor ocular súbita e intensa

- Perda visual aguda

- Halos coloridos ao redor de luzes

- Náuseas e vômitos associados


Condutas de Emergência:


1. Interromper fatores agravantes (lentes de contato, medicações tópicas irritantes)

2. Aplicar colírios lubrificantes

3. Comunicar à tripulação

4. Buscar atendimento médico imediato após o pouso


Desenvolvimentos Futuros e Pesquisas


Tecnologias Emergentes


- Sistemas de umidificação aprimorados nas cabines

- Monitoramento contínuo da pressão intraocular

- Colírios de liberação prolongada


Áreas de Pesquisa


- Biomarcadores para predição de risco

- Protocolos personalizados baseados em genética

- Telemedicina para monitoramento remoto


Conclusão


A aviação comercial apresenta desafios únicos para a saúde ocular, especialmente em pacientes com condições pré-existentes. O conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos e a implementação de protocolos de avaliação e manejo adequados são essenciais para garantir a segurança oftalmológica durante viagens aéreas.


A colaboração entre oftalmologistas, médicos aeronáuticos e a indústria da aviação é fundamental para o desenvolvimento de diretrizes mais específicas e tecnologias que minimizem os riscos oculares associados ao transporte aéreo.


A educação continuada dos profissionais de saúde e dos pacientes sobre essas questões contribui significativamente para a prevenção de complicações e para o manejo adequado das condições oculares no contexto da aviação comercial.


Referências Bibliográficas


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8. International Civil Aviation Organization. Manual of Civil Aviation Medicine. 3rd ed. Montreal: International Civil Aviation Organization; 2012.




 
 
 

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